Esta postagem é sobre um livro. Não um livro qualquer! Um belíssimo diário de viagem. Érico Veríssimo (gaúcho, 1905-1975), em seu "Gato preto em campo de neve" de 1941, faz um relato detalhadíssimo de sua viagem aos Estados Unidos naquele ano. Era o período da segunda guerra mundial, mas no entanto, o país ainda não tinha se envolvido no conflito.
Existem inúmeros diários de viagem, eu sei, mas o que me chamou muito a atenção e considero um diferencial deste livro, são os pontos de interesse no país, escolhidos para serem visitados pelo autor, e como eles são vistos e, mais ainda, sentidos. Além disso, a necessidade dele em interagir com as pessoas, das mais simples às mais abastadas, para conhecer seus costumes e visões sobre a vida.
Também destaco, claro, a linda forma que os lugares, pessoas e experiências são descritas. Como literato e pessoa super sensível e criativa, Veríssimo incluía no seu roteiro o que há de mais interessante em cada cidade com total relação com história, cultura e arte. Não faltaram visitas a lugares históricos (história bem explicada no livro), museus, universidades, galerias de arte, teatros, bibliotecas, etc. Livros, livros, livros... sempre em busca deles e de seus autores naturalmente. No livro, inclusive conta sobre encontros interessantes com escritores brilhantes. Chegava em uma cidade, tinha que ir logo a esses tipos de lugares. Tinha que ir aonde o povo está e com ele interagir. Me identifiquei demais pois assim também sou eu quando viajo. Assim se aprende e assim se enriquece culturalmente, fora o deleite para a alma que é ter contato com a arte. Sempre digo, temos que voltar das viagens com mais conhecimentos do que quando fomos... mais humanos do que antes, senão não valeu o tempo.
Existem inúmeros diários de viagem, eu sei, mas o que me chamou muito a atenção e considero um diferencial deste livro, são os pontos de interesse no país, escolhidos para serem visitados pelo autor, e como eles são vistos e, mais ainda, sentidos. Além disso, a necessidade dele em interagir com as pessoas, das mais simples às mais abastadas, para conhecer seus costumes e visões sobre a vida.
Também destaco, claro, a linda forma que os lugares, pessoas e experiências são descritas. Como literato e pessoa super sensível e criativa, Veríssimo incluía no seu roteiro o que há de mais interessante em cada cidade com total relação com história, cultura e arte. Não faltaram visitas a lugares históricos (história bem explicada no livro), museus, universidades, galerias de arte, teatros, bibliotecas, etc. Livros, livros, livros... sempre em busca deles e de seus autores naturalmente. No livro, inclusive conta sobre encontros interessantes com escritores brilhantes. Chegava em uma cidade, tinha que ir logo a esses tipos de lugares. Tinha que ir aonde o povo está e com ele interagir. Me identifiquei demais pois assim também sou eu quando viajo. Assim se aprende e assim se enriquece culturalmente, fora o deleite para a alma que é ter contato com a arte. Sempre digo, temos que voltar das viagens com mais conhecimentos do que quando fomos... mais humanos do que antes, senão não valeu o tempo.
Reproduzo abaixo trechos do livro onde vemos a sensibilidade e forma de viajar do nosso grande Veríssimo:
Imaginando uma resposta a uma anfitriã que o indaga sobre o que ele desejava conhecer no país, que lugares pretendia visitar...:
"- Tudo, Mrs. Barber, tudo. Quero ver a vossa América, comer os vossos coloridos alimentos, beber os vossos coquetéis, queimar êste pobre fígado. Thank you very much! Quero tudo. As casas dos milionários de Park Avenue e os bairros da miséria. Os subterrâneos e os elevated. Wall Street e Brooklin. Riverside Drive e o bairro Chinês. A Broadway e o Ghetto. Os vossos teatros e os vossos cemintérios. Verei os vossos poetas, políticos, escritores, artistas e atores; mas hei de conversar também com vossos barbeiros, os vossos operários, os vossos engraxates, os vossos vagabundos, os vossos cozinheiros e as vossas cortesãs. Quanto á vossa paisagem, madame, guardai-a, que de natureza estou farto. Reservai para outra viagem que eu faça, as cataratas do Niágara, o Grand Canyon e o Yellowstone Park. Meus antepassados bugres se empanturraram de verde, de rios, de montanhas e de matos. Comecei gloriosamente esta excursão: não vi a Estátua da Liberdade. Afastai de mim as vossas fábricas e as vossas máquinas, que eu quero apenas as vossas almas. Sim, minha amiga, eu coleciono almas, sou um caçador de homens. E de mulheres também. (Pela memória de Lincoln, não me interprete mal!). Eu quero ver a vossa América. A do norte, a do sul,a do leste, a do oeste. A boa, a má, a medíocre, a ótima, a péssima. Perdoai os meus cotrunos de sola grossa. Perdoai o meu sotaque sul-americano. Se eu aceito um coquetel? Oh madame, eu aceito tudo, inclusive a vida. bebamos um brinde à vida!"
Em cima do edifício do Rockefeller Center, sobre como visitar uma cidade (neste caso específico, Nova York):
"- A tôrre em que nos encontramos é de aço e vidro grosso. Os ruídos da metrópole não chegam até nossos ouvido. Mas eu tenho a impressão de sentir a vibração que vem das ruas. Dir-se-ia que a grande pedra estremece, que de seu corpo rijo se ergue uma onda de calor nascida de suas máquinas, dos corpos de seus milhões de habitantes. É um calor de trabalho, de sonho, de sangue que pulsa e de ambições em tumulto.
Meu pobre malazarte, desçamos para Manhattan. Vista destas alturas, Nova York é apenas paisagem. A vida está lá em baixo. Vem!...
Meu caro Dr. Topsius, cultivemos a espontaneidade. Tome o exemplo de Malazarte. Lá vai êle de olhos acesos e alma aberta, a caminhar no meio da multidão que se move nas calçadas de Manhattan. Quer possuir Nova york com os cinco sentidos. Não premeditou passeios. Não se deu o trabalho de examinar nenhum planta da cidade. Não leva caderno de notas. Não anda á caça de absolutos. Não tira conclusões. Simplesmente vive. tem três meses para ver os Estados Unidos. Isso não lhe dá cuidado. Pois sabe que se tivesse trinta anos seria quase o mesmo. Não conseguiria prender a América num conceito. Ninguém conseguiu. Porque ela está sempre mudando, como um caleidoscópio nas mãos duma criança.
Atire os seus tratados no Hudson, Dr. Topsius, jogue fora essa pesada carga de sabedoria e método: venha conosco. As pombas da Catedral voam por cima dos arranha-céus e vão pousar nos olmos de Radio City. São as mesmas pombas líricas de todos os poemas do mundo, apesar dos aviões e dos elevated. Homens vestidos como você, como eu, como Mr. La Guardia vendem flores ou jornais nas esquinas. Nova York é absurdamente bela. Não procure defini-la, professor, não lhe tente catalogar as almas ou as pedras. A Cidade Imperial não deve ser explicada, mas sentida, Dr. Topsius, amada ou odiada. Venha! Entremos nos palacetes dos ricos que fazem pan-americanismo, convidam-nos para jantares com ostras, peixes, molhos esquisitos e tôlas perguntas sôbre South-America. Mas desçamos também aos subways que nos levam a Brooklyn e ao Bronx. Visitemos os museus, sim, mas não esqueçamos os cinemas de subúrbio, a boêmia de Greenwich Village nem os becos de East Side. Perlustremos (se lhe agrada o verbo) as galerias de arte, mas não deixemos de nos entregar também às ruas, aos parques, aos subúrbios, às feiras-livres. Acelere o passo, herr professor, porque Malazarte é jovem e leve. Olhe... Lá vai êle arrastado por essa cálida onda humana que é a glória das calçadas de Manhattan."
Sobre as cidades:
"- As cidades são pra mim como pessoas. não sei vê-las apenas em termos de pedras, árvores, veículos, objetos. É preciso que eu lhes descubra a alma, imagine que elas me estão falando ,contando como são, como forma. Sinto logo ao vê-las se me acolhem, repelem ou permanecem indiferentes. Porque as cidades t~em memória e nervos, um coração que pulsa e um sangue quente a correr-lhes nas veias. Por essa razão nada há de menos expressivo que os cartões-postais. Pouco dizem. Às vezes até desfiguram. Reduzem tudo a um único plano.
Acontece ainda que as cidades, como as pessoas, estão sujeitas também a mudanças de "estado de espírito" de acordo com as horas do dia, as estações, anos, as condições atmosféricas.
Chego a Boston numa clara tarde de domingo. Ela me recebe com a polidez fria e distante dum aristocrata. E, sem rancor nem timidez, procuro vê-la não apenas com os olhos da minha câmera cinematográfica nem com os de meu corpo mortal. Contemplo-a também com a memória, através de coisas lidas, ouvidas ou sonhadas. Olho-a com a imaginação, com a fantasia ,pela janela dum poema ou através da névoa duma lembrança."
O viajante, o grandíssimo Veríssimo:
Imaginando uma resposta a uma anfitriã que o indaga sobre o que ele desejava conhecer no país, que lugares pretendia visitar...:
"- Tudo, Mrs. Barber, tudo. Quero ver a vossa América, comer os vossos coloridos alimentos, beber os vossos coquetéis, queimar êste pobre fígado. Thank you very much! Quero tudo. As casas dos milionários de Park Avenue e os bairros da miséria. Os subterrâneos e os elevated. Wall Street e Brooklin. Riverside Drive e o bairro Chinês. A Broadway e o Ghetto. Os vossos teatros e os vossos cemintérios. Verei os vossos poetas, políticos, escritores, artistas e atores; mas hei de conversar também com vossos barbeiros, os vossos operários, os vossos engraxates, os vossos vagabundos, os vossos cozinheiros e as vossas cortesãs. Quanto á vossa paisagem, madame, guardai-a, que de natureza estou farto. Reservai para outra viagem que eu faça, as cataratas do Niágara, o Grand Canyon e o Yellowstone Park. Meus antepassados bugres se empanturraram de verde, de rios, de montanhas e de matos. Comecei gloriosamente esta excursão: não vi a Estátua da Liberdade. Afastai de mim as vossas fábricas e as vossas máquinas, que eu quero apenas as vossas almas. Sim, minha amiga, eu coleciono almas, sou um caçador de homens. E de mulheres também. (Pela memória de Lincoln, não me interprete mal!). Eu quero ver a vossa América. A do norte, a do sul,a do leste, a do oeste. A boa, a má, a medíocre, a ótima, a péssima. Perdoai os meus cotrunos de sola grossa. Perdoai o meu sotaque sul-americano. Se eu aceito um coquetel? Oh madame, eu aceito tudo, inclusive a vida. bebamos um brinde à vida!"
Em cima do edifício do Rockefeller Center, sobre como visitar uma cidade (neste caso específico, Nova York):
"- A tôrre em que nos encontramos é de aço e vidro grosso. Os ruídos da metrópole não chegam até nossos ouvido. Mas eu tenho a impressão de sentir a vibração que vem das ruas. Dir-se-ia que a grande pedra estremece, que de seu corpo rijo se ergue uma onda de calor nascida de suas máquinas, dos corpos de seus milhões de habitantes. É um calor de trabalho, de sonho, de sangue que pulsa e de ambições em tumulto.
Meu pobre malazarte, desçamos para Manhattan. Vista destas alturas, Nova York é apenas paisagem. A vida está lá em baixo. Vem!...
Meu caro Dr. Topsius, cultivemos a espontaneidade. Tome o exemplo de Malazarte. Lá vai êle de olhos acesos e alma aberta, a caminhar no meio da multidão que se move nas calçadas de Manhattan. Quer possuir Nova york com os cinco sentidos. Não premeditou passeios. Não se deu o trabalho de examinar nenhum planta da cidade. Não leva caderno de notas. Não anda á caça de absolutos. Não tira conclusões. Simplesmente vive. tem três meses para ver os Estados Unidos. Isso não lhe dá cuidado. Pois sabe que se tivesse trinta anos seria quase o mesmo. Não conseguiria prender a América num conceito. Ninguém conseguiu. Porque ela está sempre mudando, como um caleidoscópio nas mãos duma criança.
Atire os seus tratados no Hudson, Dr. Topsius, jogue fora essa pesada carga de sabedoria e método: venha conosco. As pombas da Catedral voam por cima dos arranha-céus e vão pousar nos olmos de Radio City. São as mesmas pombas líricas de todos os poemas do mundo, apesar dos aviões e dos elevated. Homens vestidos como você, como eu, como Mr. La Guardia vendem flores ou jornais nas esquinas. Nova York é absurdamente bela. Não procure defini-la, professor, não lhe tente catalogar as almas ou as pedras. A Cidade Imperial não deve ser explicada, mas sentida, Dr. Topsius, amada ou odiada. Venha! Entremos nos palacetes dos ricos que fazem pan-americanismo, convidam-nos para jantares com ostras, peixes, molhos esquisitos e tôlas perguntas sôbre South-America. Mas desçamos também aos subways que nos levam a Brooklyn e ao Bronx. Visitemos os museus, sim, mas não esqueçamos os cinemas de subúrbio, a boêmia de Greenwich Village nem os becos de East Side. Perlustremos (se lhe agrada o verbo) as galerias de arte, mas não deixemos de nos entregar também às ruas, aos parques, aos subúrbios, às feiras-livres. Acelere o passo, herr professor, porque Malazarte é jovem e leve. Olhe... Lá vai êle arrastado por essa cálida onda humana que é a glória das calçadas de Manhattan."
Sobre as cidades:
"- As cidades são pra mim como pessoas. não sei vê-las apenas em termos de pedras, árvores, veículos, objetos. É preciso que eu lhes descubra a alma, imagine que elas me estão falando ,contando como são, como forma. Sinto logo ao vê-las se me acolhem, repelem ou permanecem indiferentes. Porque as cidades t~em memória e nervos, um coração que pulsa e um sangue quente a correr-lhes nas veias. Por essa razão nada há de menos expressivo que os cartões-postais. Pouco dizem. Às vezes até desfiguram. Reduzem tudo a um único plano.
Acontece ainda que as cidades, como as pessoas, estão sujeitas também a mudanças de "estado de espírito" de acordo com as horas do dia, as estações, anos, as condições atmosféricas.
Chego a Boston numa clara tarde de domingo. Ela me recebe com a polidez fria e distante dum aristocrata. E, sem rancor nem timidez, procuro vê-la não apenas com os olhos da minha câmera cinematográfica nem com os de meu corpo mortal. Contemplo-a também com a memória, através de coisas lidas, ouvidas ou sonhadas. Olho-a com a imaginação, com a fantasia ,pela janela dum poema ou através da névoa duma lembrança."
O viajante, o grandíssimo Veríssimo:
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