Pular para o conteúdo principal

Orfeus

O que une favela carioca, mitologia grega, negros, poesia, música, teatro e cinema? Orfeu e Eurídice!

Uma lenda grega que inspirou uma peça teatral brasileira musicadíssima e que inspirou um filme francês premiadíssimo.

Na mitologia

Orfeu era filho do deus Apolo e da ninfa Calíope; da figura paterna ele herda uma lira que, uma vez tocada por suas mãos, revela um canto tão primoroso que nada nem ninguém consegue se manter imune a sua magia. Até as feras mais selvagens amenizavam sua ira diante das notas extraídas deste instrumento, que praticamente as hipnotizava. Mesmo os arbustos cediam aos seus encantos.

O deus dos matrimônios, Himeneu, consagrou o amor de Orfeu e Eurídice, mas não foi capaz de trazer boa sorte a este relacionamento. Uma atmosfera de presságios inundou esta união desde o início, o que se concretizou quando a jovem, pouco depois, foi assediada por Aristeu, por sua intensa beleza. Ao escapar de sua perseguição, ela esbarrou em uma serpente e foi picada pelo réptil, o que provocou sua morte.

Incapaz de aceitar este fato, Orfeu declara sua tristeza a mortais e imortais, mas, nada obtendo, vai atrás de sua amada no inferno. Aí o amante, tocando sua lira, leva Caronte a guiá-lo pelo mundo sombrio dos mortos, ao longo do Rio Estige. Lá entorpece Cérbero, o guardião das portas infernais. Seu doce lamento ameniza as torturas das almas aí exiladas e, diante de Hades, arranca lágrimas do deus do inferno, o qual, atendendo os apelos de sua esposa Perséfone, permite que Orfeu atravesse os umbrais desta região para buscar Eurídice, mas impõe uma exigência.

A jovem retornaria com Orfeu ao universo dos vivos, desde que o amante não olhasse para sua amada até estar novamente sob o Sol. Ele consegue resistir através de túneis sombrios e difíceis de atravessar, e já estava quase chegando à esfera iluminada quando, para ter certeza de que a esposa estava logo atrás, espia por um instante a parte final do caminho. Neste momento, Eurídice se transforma novamente em um espectro, lança um último grito e parte para a esfera dos mortos.

Orfeu é impedido de acompanhar a esposa e se desespera, permanecendo sete dias ao lado do lago, em jejum. Ele se converte em um ser devorado pela angústia e rejeita as outras jovens. Tenta sem sucesso esquecer sua grande perda. Cansadas de serem menosprezadas, as Mênades, mulheres furiosas, cortam seu corpo em pedaços e lançam sua cabeça no Rio Hebrus.

As nove musas se compadecem de Orfeu e juntam seus fragmentos, sepultando-os no Monte Olimpo. Agora no reino dos mortos, o amante se reúne a Eurídice. As assassinas são punidas pelos deuses, transformando-se em sólidos carvalhos.

A peça teatral

Orfeu da Conceição é uma peça teatral escrita por Vinicius de Moraes em 1954, baseada então no drama da mitologia grega de Orfeu e Eurídice. A trilha sonora da peça foi lançada em vinil no ano de 1956, com músicas compostas por Antônio Carlos Jobim (melodia) e Vinicius (letra), onde destaco a lindíssima e clássica "Se todos fossem iguais a você". Os cenários eram de Oscar Niemeyer, olhem só!


Enredo:

O enredo é inspirado na mitologia grega, na história de Orfeu e Eurídice. A adaptação ambientou a obra no Brasil, em uma favela do Rio de Janeiro, na época do Carnaval. Eurídice vem fugida do sertão nordestino para morar na favela com sua prima Serafina. Ela tem medo de um homem que está perseguindo-a e quer matá-la; ela não sabe o motivo, mas pensa que esse homem talvez tenha gostado dela e, como ela não lhe deu confiança, ele agora quer se vingar. Ela apaixona-se perdidamente por Orfeu, que é noivo da bela e sedutora Mira, é um sambista que vive no morro, filho de um músico e de uma lavadeira. A paixão entre Orfeu e Eurídice desperta o ciúme e o desejo de vingança em Mira, ex-namorada do sambista, que leva Aristeu, apaixonado por Eurídice, a matá-la. Numa terça-feira, último dia de Carnaval, Orfeu desce do morro depois de Eurídice estar morta. Enlouquecido, ele vai procurar sua amada pra tentar encontrá-la novamente. De volta à favela, solitário, ele é morto por Mira e por outras mulheres instigadas por ela.

A pérola da trilha sonora:

Se todos fossem iguais a você
(Antonio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes)

Vai tua vida
Teu caminho é de paz e amor
A tua vida
É uma linda canção de amor
Abre os teus braços e canta
A última esperança
A esperança divina
De amar em paz
Se todos fossem
Iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a pedir
A beleza de amar
Como o sol, como a flor, como a luz
Amar sem mentir, nem sofrer
Existiria a verdade
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você

Interpretada pelos autores (1977):


O filme

Em 1959, baseado na peça, foi lançado o filme "Orfeu Negro",  dirigido por Marcel Camus, e premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes (1959), com o Oscar de melhor filme estrangeiro (1960), representando a França, e o Globo de Ouro (1960). A trilha sonora é de Tom Jobim e Luís Bonfá. Vinícius e Antônio Maria também tiveram músicas incluídas, mas não receberam os créditos.



Trailer:


Filme completo:


... e outro filme

Quarenta anos depois, em 1999, foi lançado outra versão do filme intitulado "Orfeu", dirigido por Cacá Diegues com música de Caetano Veloso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As letras de "Fascinação"

Quem não é fascinado pela canção "Fascinação" (título original "Fascination"). "Fascination" é uma valsa popular, com melodia composta em 1904 por Fermo Dante Marchetti e letra escrita em 1905 por Maurice de Féraudy em francês (letra em inglês de Dick Manning). Foi lançada em 1932. A versão da letra em português que todos nós conhecemos foi escrita em 1943 por Carlos Galhardo e gravada sublimemente pela Elis Regina em seu álbum Falso Brilhante (1976). A versão original da letra em francês é pouquísimo conhecida aqui no Brasil, e no mundo bem menos que a versão em inglês. Escutem-na abaixo com Daniel Plaisir (este nunca tinha tido o "plaisir" de conhecer!): Daniel Plaisir cantando a letra original em francês "Je t’ai reencontrée simplement,  Et tu n’as rien fait pour chercher à me plaire . Je t’aime pourtant, D’un amour ardent, Dont rien, je le sens, ne pourra me défaire. Tu seras toujours mon amante Et je crois à toi comme au b...

As três versões de "O que será" do Chico Buarque

Umas das obras primas do gênio Chico Buarque de Holanda, a música " O que será ", possui três versões, cada uma mais linda que a outra. Você sabia? Lembrava? As três versões são: - Abertura - À flor da pele - À flor da terra Compostas em 1976, foram interpretadas espetacularmente pelas vozes do próprio Chico, Milton Nascimento e Simone, essa cantando como sempre, transbordando sentimento. Abertura E todos os meus nervos estão a rogar E todos os meus órgãos estão a clamar E uma aflição medonha me faz implorar O que não tem vergonha, nem nunca terá O que não tem governo, nem nunca terá O que não tem juízo   O que será que lhe dá O que será meu nego, será que lhe dá Que não lhe dá sossego, será que lhe dá Será que o meu chamego quer me judiar Será que isso são horas de ele vadiar Será que passa fora o resto do dia Será que foi-se embora em má companhia Será que essa criança quer me agoniar Será que não se cansa de desafiar O qu...

60 anos de 64

Neste ano de 2024 assisti e escutei inúmeros vídeos e podcasts sobre a história do golpe militar de 1964 e o período de ditadura que perdurou por 21 anos em nosso país. Vi tanta coisa impressionante, incrível e emocionante que pensei em compartilhar aqui alguns dos conteúdos que vi sobre esse tema, para reforçar essa memória terrível e que nunca mais aconteça novamente. Podcasts Eu só disse o meu nome Em 1973 o estudante Alexandre Vannucchi Leme foi preso pela ditadura militar e levado à sede do DOI-CODI. Em 2024, o retrato de Alexandre estampa os muros da USP e os jornais do movimento estudantil. O que aconteceu entre a prisão de Alexandre e hoje? Como um estudante franzino de Sorocaba se tornou o símbolo de um dos piores momentos dos anos de chumbo e apontou o caminho da luta pela redemocratização? Uma iniciativa do Instituto Vladimir Herzog produzida pela NAV Reportagens e apresentada por Camilo Vannucchi. Vala de Perus Em um buraco escavado nos fundos de um cemitério público, munic...